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Entrevista com João Oliveira: “Os responsáveis do MNE optaram por apagar o assunto”

By Ana Dias Cordeiro
Publico
March 2, 2014

http://www.publico.pt/mundo/noticia/entrevista-com-joao-oliveira-os-responsaveis-do-mne-optaram-por-apagar-o-assunto-1626571

[Summary: Joao Paulo de Oliveira Gomes, 38, is a veterinarian who works with international organizations in various countries. He was working in Mozambique on a development project supported by Portugal when he discovered that pupils were being sexually abused by priests responsible for a nearby orphanage.]

João Paulo Gomes de Oliveira, 38 anos, é médico veterinário e trabalha em cooperação internacional e desenvolvimento desde 2001. Passou por organizações nacionais e internacionais de vários países.

Quando, em 2010, foi colocado como professor pelo Centro Polivalente Leão Dehon, em Gurúè, Moçambique, no quadro de um programa do então Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD), financiado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, denunciou abusos sexuais de alunos seus envolvendo os padres responsáveis pelo centro e por um orfanato ali perto.

O que o levou a fazer a denúncia?
Sobretudo a gravidade da situação. À medida que me fui integrando na escola e à medida que os alunos perceberam que eu não estava relacionado com os padres [o director da escola e o responsável de um orfanato em Gurúè], comecei a ter suspeitas, a notar factos e comportamentos estranhos como os guardas armados à porta do orfanato. Quando fui procurado por um aluno angustiado e desesperado que queria fugir, mas não tinha como nem para onde, confrontei-o e recebi um relato assustador sobre o que se estava a passar.

Os dois padres – Ilario Verri e Luciano Cominotti –  estão a ser investigados em Itália apenas com base na sua denúncia?
Não sei dizer. Mas é notório que a minha denúncia foi levada a sério e é suficientemente substantiva e fundamentada para ter sido encaminhada da judiciária para a procuradoria [em Itália] e merecer já vários meses de investigação. Fui chamado pelo Ministério Público italiano para depor sobre estes padres, o que aconteceu no passado mês de Setembro. 

Quais as provas que apresentou?
As provas foram entregues às autoridades competentes e estão a ser alvo de investigação. Não será um processo fácil atendendo à natureza do crime,  às limitações das instituições em Moçambique e, no caso da procuradoria italiana, à barreira da língua. Este caso sublinha a responsabilidade criminal da Igreja Católica e a importância de ser a justiça secular a resolver estes casos, simplesmente porque todos sabemos que a justiça, a polícia, a liberdade de imprensa apenas funcionam numa parte restrita do mundo. E é exactamente na outra parte que se encontra a maioria das crianças desprotegidas. É muito importante que a Igreja Católica assuma a sua responsabilidade e tome medidas para a protecção efectiva das crianças.

Reportou a situação aos seus superiores no IPAD. O que esperava que fizessem?
O crime reportado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) [de que dependia o IPAD] é um crime que viola as convenções internacionais de direitos humanos assinados pelo Estado português. Espera-se do Estado português que não negligencie a segurança das vidas humanas, principalmente quando estamos a falar de crianças desfavorecidas em países irmãos. Se existem indícios suficientes para que a justiça de dois países estrangeiros investigue, é incompreensível a negligência dos responsáveis do MNE perante os mesmos factos, que simplesmente optaram por apagar o assunto.

Os dois países – Itália e Moçambique – têm competência judicial. Portugal não tinha, por não serem nem as vítimas nem o suposto agente do crime portugueses.
Seja como for, sendo o ensino a grande aposta da cooperação portuguesa nos PALOP, este procedimento levanta sérias questões sobre qual o procedimento do MNE quando situações semelhantes chegam ao seu conhecimento. A escola onde trabalhei não tinha sido sequer visitada antes por nenhum dos meus superiores. Não o foi antes, durante, nem depois. Quem garante que em outras instituições, que beneficiam da cooperação portuguesa, não se verificam crimes desta natureza?




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